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Design Inclusivo #2 – Acessibilidade e usabilidade em produtos, serviços e ambientes

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2. “Sentir a Diferença”

A percepção da diferença, quer seja de natureza física, mental ou cultural, associa-se habitualmente a um sentimento de incompreensão e, por vezes, de intolerância que a transforma frequentemente em fator de exclusão.

Paradoxalmente é a diversidade de características e capacidades humanas que é dominante, quer entre indivíduos, quer em diversos momentos da vida de cada indivíduo.

A constatação da diversidade humana enquanto situação normal, apresenta-se como uma estratégia eficaz na destruição de preconceitos.

A simulação de situações de incapacidade, por parte das equipas de projeto, é um exercício essencialmente de sensibilização para os problemas sentidos por aqueles que habitualmente têm de lidar com um mundo que não foi construído à medida das suas necessidades.

Desta forma, a realização de “Role Playing”, onde os técnicos e responsáveis são convidados a experimentar situações tipo de deficiência, apresenta resultados claros na compreensão dos impactos que as eventuais soluções de projeto têm enquanto elementos promotores de acessibilidade e qualidade de vida.

Contudo, existe um perigo neste tipo de metodologia, a experiência da deficiência não pode ser simulada na sua totalidade. Efetuar um percurso de cadeira de rodas não é a mesma coisa que ser paraplégico, como vendar os olhos não simula a experiência da cegueira na sua totalidade.

A simulação da deficiência não pode ser reproduzida na totalidade, essencialmente por dois fatores. Por um lado, por não se conseguir simular o sentimento de exclusão social provocado pela confrontação com os preconceitos dos outros, nem as reais implicações de habitar ambientes inadequados por períodos de tempo muito longos. Por outro lado, porque o técnico que simula a deficiência não passou pelo período de aprendizagem que a utilização de uma tecnologia de apoio normalmente exige, não terá a mesma destreza na transposição de eventuais barreiras.

Por estes motivos, a simulação da deficiência deve ser encarada, essencialmente, como uma ferramenta de sensibilização ou de aproximação à problemática da acessibilidade, que não substitui a participação dos utentes, como a metodologia por excelência para a detecção das suas necessidades.

Tendo em conta estas limitações, poderão ser realizadas simulações que reproduzem, dentro do possível, algumas situações comuns de incapacidade face à utilização de produtos e ambientes.

Avalie a eficácia de um projeto face a situações de incapacidade cognitiva respondendo às seguintes questões:

Este permanece tão utilizável e seguro se…

…o estiver usando pela primeira vez sem ajuda nem instruções?

…não souber ler?

…executar ações fora da ordem?

…tentar usá-lo mais rápido ou mais devagar do que o previsto?

…fizer um erro e quiser corrigi-lo ou começar de novo?

… estiver distraído ou for interrompido enquanto estiver a usá-lo?

Avalie a eficácia de um projeto face a situações de incapacidade visual, respondendo às seguintes questões:

Este permanece tão utilizável e seguro se…

… o olhar com pouca luz?

… o olhar com luz muito brilhante?

… o olhar bastante mais afastado ou próximo do que desejado?

… o pudesse ver apenas a preto e branco?

… o olhar através de um tubo?

… o olhar com um olho fechado?

… o olhar usando apenas a visão periférica?

Avalie a eficácia de um projeto face a situações de incapacidade auditiva e de fala, respondendo às seguintes questões:

Este permanece tão utilizável e seguro se…

… o utilizar num ambiente barulhento?

… o utilizar com um ouvido tapado?

… o utilizar com os dois ouvidos tapados?

… eliminar os sons das letras c, ch, s, f e z?

Avalie a eficácia de um projeto face a situações de incapacidade relacionadas com as funções corporais, respondendo às seguintes questões:

Este permanece tão utilizável e seguro se…

… tiver falta de fôlego?

… parar frequentemente para descansar?

… precisar de se apoiar em algo enquanto o estiver utilizando?

… não se puder dobrar, curvar ou rodar ao nível da cintura?

… apenas puder usa-lo estando sentado?

… não puder rodar a sua cabeça?

… for sensível ao pó, gases, fumo ou químicos?

Avalie a eficácia de um projeto face a situações de incapacidade dos membros superiores, respondendo às seguintes questões:

o design permanece tão utilizável e seguro se…

… fixar um peso de 3,5 Kg a cada pulso?

… prender os seus cotovelos junto ao corpo?

… usar apenas o braço não dominante?

Avalie a eficácia de um projeto face a situações de incapacidade da mão, respondendo às seguintes questões:

o design permanece tão utilizável e seguro se…

… usar luvas de boxe?

… não puder repetir uma ação mais do que três vezes por minuto?

… não puder dobrar ou rodar os seus pulsos?

… usar apenas uma mão?

… usar apenas o punho ou a mão não dominante?

… não puder exercer uma força superior à do seu dedo mindinho?

Avalie a eficácia de um projeto face a situações de incapacidade na mobilidade, respondendo à seguintes questões:

O design permanece tão utilizável e seguro se…

…não puder ver a superfície do solo?

…não puder levantar nenhum dos pés?

…usar dois sapatos diferentes (na altura e no grau de frição da sola)?

…usar uma bengala?

…usar muletas?

…usar uma cadeira de rodas?

…não se puder levantar a partir de uma posição sentada?

2.1. “Role Playing” de simulação de deficiências

Existem várias formas de estruturar um “Role Playing” desta natureza, variando com o número de participantes, as suas características enquanto grupo (idade, formação, situação profissional, etc.) ou objetivos específicos da ação.

Apresentamos então o modelo desenvolvido para esta ação de formação, de forma a poder ser utilizado como base para eventual utilização futura. Tendo em conta que não se trata de uma solução aplicável a todas a situações, mas de um exemplo que deve ser entendido dentro do contexto para o qual foi formulado.

Objetivos do Role Playing

Permitir aos participantes vivenciar diversos graus de capacidade, experimentando o impacto funcional e emocional da relação incapacitante com o ambiente.

Tamanho do grupo

10 grupos de 2 pessoas cada.

Tempo exigido

1 hora, dividida em dois períodos consecutivos de 30 minutos cada.

Caracterização de incapacidade

Paraplégico – cadeira de rodas

Acidentado perna esquerda – muletas e tala

Cegueira total – bengala e venda

Visão tubular – óculos e bengala

Cataratas – óculos e bengala

Visão periférica – óculos e bengala

Sem braço dominante – braço preso ao corpo

Limitação da mão – luvas

Mãe de criança de colo – carrinho de bebê e garrafão de 5L de água

Gravidez/obesidade – pesos nas pernas e 2 mochilas

Ambiente físico

Espaços interiores e exteriores, a definir conforme o local de formação, que devem incluir percursos de ligação entre espaços desnivelados, utilização de equipamentos como multibancos ou telefones públicos e acessibilidade a espaços específicos, como casas de banho ou cafetarias.

Processo

Introdução ao jogo, com apresentação dos objetivos do exercício e regras de funcionamento.

Regras

Autonomia – tem de efetuar as tarefas sem ajuda, de forma a não depender da presença ou da boa vontade de terceiros. Contudo, não corra riscos e peça ajuda se comprovadamente não conseguir ultrapassar a situação;

Seja você mesmo – Execute as tarefas da forma como normalmente as faria, se costuma entrar pela porta principal do edifício, teste esta entrada em primeiro lugar. Se costuma transportar uma mala, leve-a consigo. Atue como se a incapacidade que lhe foi atribuída não interferisse nas atividades que realiza na sua vida quotidiana.

Registre de forma sistemática as dificuldades que encontra para fazer o que quer.

Organização dos participantes

Divisão dos participantes em grupos de 2 elementos. Um elemento será caracterizado e o outro terá a dupla função de efetuar o registro e salvaguardar a segurança do colega de grupo, não o podendo ajudar na execução de tarefas, salvo em caso de necessidade.

Os grupos visitam, por ordem de preferência, os vários locais do percurso, anotando na ficha de registro as dificuldades sentidas na circulação pelos diversos espaços.

No final do primeiro período de 30 minutos, os participantes trocam de posição. No final do exercício, cada grupo entrega a ficha de registro na sala do workshop.

Este artigo terá continuidade na próxima semana. Acompanhem.


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