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Design Inclusivo #3 – Acessibilidade e usabilidade em produtos, serviços e ambientes

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3. Deficiência: modelos e conceitos

3.1. Os modelos moral, médico e social

A forma como é encarada a deficiência tem evoluído ao longo dos tempos. Registraram-se enormes avanços desde o tempo em que, por exemplo Platão, na sua obra República, se referia às pessoas com deficiência, sugerindo que estes, numa república ideal, deveriam ser abandonados num local em que mais ninguém se lembrasse deles. São diversos os modelos de análise/definição do que é a deficiência.

Resultantes da evolução social e científica, os vários modelos podem coexistir temporalmente, mas haverá sempre aquele que é dominante em determinada época e região geográfica. Embora se possam identificar mais modelos, dependendo das “escolas” de abordagem, iremos neste caso considerar a existência de três.

Modelo Moral ou Religioso

Segundo este modelo, a deficiência seria consequência de um castigo divino. A pessoa ou a sua família teriam praticado atos que implicavam uma punição.

As pessoas com deficiência eram consideradas impuras e deveriam ser afastadas da sociedade. Significava um estigma para toda a família e, naturalmente, sentimentos de culpa da pessoa com deficiência. Esta forma de interpretar a deficiência tem como resultado o isolamento e a vergonha.

É propícia ao surgimento de atitudes de auto exclusão e uma baixa autoestima. A exclusão social é evidente, com a agravante de ser socialmente aceita, ou mesmo considerada aconselhável, e não meramente tolerada como nos dias de hoje.

Modelo Médico

Este modelo vem associado ao desenvolvimento da medicina “moderna” no séc. XIX e à importância do papel da medicina na sociedade da altura.

Como muitas das deficiências têm uma origem médica, deveriam ser os médicos a tomar conta desta população, resumindo a questão da deficiência a um problema técnico da medicina. Neste modelo, os problemas associados a uma deficiência residiam no indivíduo. Se o indivíduo fosse curado, estes problemas não existiriam.

A sociedade não teria então que se adaptar às necessidades destes indivíduos, visto eles estarem aguardando a cura. O modelo médico coloca a fonte do problema numa única pessoa e conclui que as soluções se encontram intervindo a nível individual.

A pessoa com deficiência era considerada uma pessoa doente. Como sabemos, as pessoas quando estão doentes são dispensadas das suas obrigações sociais: ir à escola, ao emprego, responsabilidades familiares, etc.

Esta identificação de deficiência com doença levou a que as políticas públicas relacionadas com a problemática da deficiência tenham sido majoritariamente desenvolvidas no âmbito dos sistemas de saúde. Deste modelo resultou a institucionalização de muitas pessoas com deficiência, que poderiam ter uma vida independente caso a sociedade promovesse alterações, nomeadamente no meio edificado, que fossem ao encontro das necessidades destes indivíduos.

O resultado foi a exclusão de muitos que poderiam ter uma participação social ativa. A exclusão social é a consequência lógica desta forma de ver a deficiência.

Modelo Social

Em oposição ao modelo médico, que desencoraja, ou impede mesmo, a participação das pessoas com deficiência, surge o modelo social, resultado em grande parte da luta dos ativistas pelos direitos das pessoas com deficiência.

Partindo do princípio de que as sociedades ao organizarem-se na base da assunção do que é “normal”, inviabilizam a participação dos que não correspondem a esse estereótipo, os defensores do modelo social concluem que a sociedade deverá reconhecer e celebrar as diferenças.

Em vez de querer transformar a todo o custo, as pessoas com deficiência em pessoas “normais”, ou mantê-las à espera da cura, tal como no modelo médico, deverá ser a sociedade a adaptar-se às capacidades de todos.

O modelo social entende a deficiência como uma consequência das barreiras ambientais, sociais e das atitudes predominantes. Distinguindo deficiência, de incapacidade e de desvantagem, tal como veio a fazer a Organização Mundial de Saúde em 1980, e considerando a desvantagem como a condição social de prejuízo sofrido por um dado indivíduo, (ver capítulo seguinte) deu-se um primeiro passo para reconhecer a responsabilidade da sociedade nas dificuldades de interação da pessoa com deficiência, com o meio.

A desvantagem (handicap) tem um caráter social. É resultado da inadequação do meio face às capacidades da pessoa. A OMS já evoluiu, e em 2001 é aprovada a Classificação Internacional do Funcionamento, Deficiência e Saúde que se aproxima ainda mais do modelo social, tomando em consideração os aspectos sociais da deficiência, propondo um mecanismo para definir o impacto do meio ambiente, físico e social no funcionamento das pessoas.

Com o modelo social surge o reconhecimento do direito à diferença e à participação social das pessoas com deficiência. É uma cultura de direitos e igualdade de oportunidades que se instala, em oposição ao assistencialismo e à caridade que resultavam dos modelos anteriores.

Muitas das atitudes negativas face à deficiência, que ainda hoje persistem, têm por base os modelos moral e médico, pois, tal como já foi referido anteriormente, a coexistência dos diversos modelos é possível, e em alguns setores sociais, como por exemplo, em parte da classe médica, a predominância do modelo social não é efetiva, levando a que as atitudes negativas e os preconceitos face às pessoas com deficiência, ainda perdurem.

3.2. Organização Mundial de Saúde

A Organização Mundial de Saúde disponibiliza um conjunto de documentos normalizadores que visam a coordenação internacional das questões relacionadas com a saúde. Para a problemática da deficiência devemos destacar dois documentos essenciais para a definição de conceitos e nomenclaturas, a “Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens” e a “Classificação Internacional e Funcionamento, Incapacidade e Saúde”.

Ambas as classificações se enquadram num modelo social da deficiência, onde esta é encarada como uma situação de desajuste, por vezes existente, entre as capacidades humanas e características do meio. Sendo desta forma claro que duas pessoas com a mesma deficiência podem ter níveis completamente diferentes de funcionamento, variando com o ambiente em que estão inseridas.

Deste modelo depreende-se também a situação oposta, que níveis de funcionamento idênticos não implicam condições de saúde idênticas, ou seja, que a incapacidade para realizar uma determinada tarefa pode ser sentida por pessoas com características bastante diferentes englobando, nesse grupo, não apenas as pessoas com deficiência, mas todos aqueles que, por algum motivo, não conseguem realizar a tarefa.

A partir desta abordagem, o Design Inclusivo deve ser encarado como uma necessidade social de todos os cidadãos e não como uma questão relacionada apenas com os direitos de minorias.

Eliminado o caráter estigmatizante da deficiência e clarificada a questão de que as situações de inadaptação ao meio dizem respeito a todos, torna-se possível abordar a problemática da acessibilidade de forma coordenada pelas diferentes especialidades, desde as que se ocupam das incapacidades humanas, técnicos de reabilitação, médicos, até às que se encarregam de projetar e construir as cidades e objetos que utilizamos diariamente.

3.2.1 Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens

Publicada em 1980, a Classificação Internacional das Deficiências, Incapacidades e Desvantagens é conhecida internacionalmente por ICIDH, sigla da nomenclatura em Inglês International Classification of Impairments, Disabilities, and Handicaps.

Desde então tem sido utilizada, como elemento normalizador, para diversos fins, quer como ferramenta estatística e de investigação, quer pela segurança social, por seguradoras, ou outras entidades que necessitem de classificar questões relacionadas com a saúde. É a principal referência de conceitos e nomenclaturas em utilização.

A ICIDH estrutura-se em três níveis: a classificação de deficiências, de incapacidades e de desvantagens, sendo que a existência de uma deficiência pode originar uma situação de incapacidade para realizar uma determinada tarefa que, inserida num contexto, pode levar a uma situação de prejuízo para a pessoa em questão, colocando-a em desvantagem para com as demais.

3.2.1.1. Deficiência

Neste âmbito, o conceito de deficiência representa qualquer perda ou alteração de uma estrutura ou de uma função psicológica, fisiológica ou anatômica. Podendo estas perdas ou alterações ser temporárias ou permanentes, representando a exteriorização de um estado patológico e, em princípio, refletindo perturbações a nível orgânico.

Na ICIDH as deficiências dividem-se em categorias, tais como psíquicas, sensoriais, físicas, mistas e nenhuma deficiência em especial que se passam a explicar. No grupo das deficiências psíquicas, foram incluídas as deficiências intelectuais, a doença mental bem como as deficiências das funções gnósticas e práxicas.

Analogamente, nas sensoriais, incluem-se as deficiências de visão, da audição e da fala. Por seu lado, as físicas incluem deficiências ao nível dos órgãos internos, designadamente, deficiência das funções cardiovascular e respiratória, gastrointestinal, urinária e reprodutora ou outra anomalia dos órgãos internos, ou de outras funções específicas como seja a mastigação, deglutição ou olfato.

São ainda incluídas as deficiências músculo esqueléticas e estéticas da região da cabeça e do tronco, bem como as deficiências dos membros superiores ou inferiores. As mistas, referem-se à deficiência cuja manifestação incide nos planos psíquico, sensorial e físico, incluindo a paralisia cerebral.

Sob a categoria “nenhuma em especial”, são incluídas as deficiências geradoras de incapacidade não incluídas em nenhuma das categorias anteriores, designadamente incapacidades relacionadas com uma degeneração generalizada, das estruturas física, sensorial e cognitiva, associada a estados de envelhecimento avançado.

3.2.1.2. Incapacidade

O segundo nível de classificação assenta no conceito de Incapacidade, que consiste na restrição ou falta de capacidade para realizar uma atividade dentro dos limites considerados normais para um ser humano.

As incapacidades dividem-se nas seguintes categorias:

Incapacidade para ver – ausência ou redução grave da visão, não resolvida com recurso a ajudas técnicas ou dispositivos de compensação adequados.

Estão aqui compreendidas as pessoas cegas ou que sofrem de incapacidade para executar tarefas visuais de conjunto, ou que sofrem de uma ausência ou redução da capacidade para executar tarefas que requeiram acuidade visual adequada para ler, reconhecer rostos e escrever.

Incapacidade para ouvir – ausência ou redução grave da capacidade auditiva. Aqui incluem-se as pessoas surdas (surdez total de ambos os ouvidos, irrecuperável pela utilização de qualquer dispositivo da amplificação de som) ou com redução da capacidade de receber mensagens verbais ou outras mensagens audíveis.

Incapacidade para falar – ausência de capacidade para articular palavras ou de produzir mensagens verbais audíveis e de transmitir o seu significado através da fala, incluindo gaguez grave.

Outras incapacidades de comunicação – como a ausência ou redução da capacidade para escrever ou para ler, para comunicar através de símbolos ou gestos, para codificar a linguagem em palavras escritas e para executar mensagens escritas ou símbolos gráficos. Esta designação refere-se ainda à ausência ou redução da capacidade de comunicação simbólica ou de expressão e comunicação não verbal, o que significa uma ausência ou redução da capacidade para compreender sinais ou símbolos gráficos associados a códigos convencionais, como, por exemplo, sinais de trânsito, pictogramas, mapas, diagramas simples e outras representações esquemáticas de objetos.

As pessoas incluídas nesta categoria apresentam ainda ausência ou redução da capacidade de receber ou transmitir informação mediante gestos, expressões ou procedimentos similares.

Incapacidade no cuidado pessoal – ausência ou redução grave da capacidade para cuidar de si próprio no que diz respeito às atividades fisiológicas básicas, tais como a excreção, a alimentação, a higiene pessoal e o vestir.  Inclui as pessoas com necessidade de ajuda de terceiros ou de algum mecanismo externo para realizar este tipo de atividades.

Inclui, igualmente, as pessoas que sofrem de incapacidade, por exemplo, de tomarem banho sem apoio de pessoas ou outros auxiliares, de prepararem refeições, de se alimentarem sozinhas, de se arranjarem ou que manifestam perturbações da função excretora.

Incapacidade de locomoção – ausência ou redução grave de realização de atividades relacionadas com o deslocamento quer de si próprio, quer de objetos.

Inclui incapacidades de ambulação e incapacidades que restringem a locomoção (deslocamento ou utilização de transportes). São ainda categorizadas nesta incapacidade as pessoas que dependem da utilização de cadeiras de rodas para se deslocarem, que têm incapacidade, por exemplo, ao nível da marcha, de transpor desníveis de terreno, de subir escadas ou outra incapacidade de subir ou de correr, incapacidade de se deslocar quando deitado ou movimentar-se a partir da posição sentado, incapacidade de se deslocar e de utilizar transportes, ou incapacidade de levantar ou transportar objetos.

Incapacidade para realizar tarefas da vida diária – incapacidades de manejar trincos e outros fechos, como puxadores de porta e uso de chaves, abrir e fechar portas, acender fósforos, usar torneiras, interruptores e tomadas de corrente, ou abrir janelas.

Foram incluídas ainda pessoas com incapacidade de usar o telefone, manejar dinheiro, dar corda a relógios de pulso e de parede, folhear um jornal, manipular objetos com os dedos, agarrar e empunhar objetos e movê-los, em imobilizar objetos segurando-os, e outras dificuldades de coordenação. Não foram incluídas pessoas com incapacidade para escrever.

Incapacidade face a situações – decorrem da dependência e da resistência física, a incapacidade face ao ambiente e a outras incapacidades face a situações físicas. Foram incluídas nesta categoria as pessoas com dependência de qualquer máquina externa de suporte de vida, como “pace makers”, aspiradores, ventiladores respiratórios e rins artificiais (diálise) ou qualquer forma de aparelho electromecânico para a manutenção ou aumento dos potenciais de atividade.

Foram ainda incluídas as pessoas com incapacidade de partilhar refeições, de manter uma posição (estar sentado ou de pé), intolerância ao esforço e outros aspectos da resistência física.

Finalmente, foram incluídas pessoas com incapacidade de resistência ao frio e ao calor, de intolerância à luz solar, umidade ou grandes variações de pressão atmosférica, iluminação intensa, intolerância ao pó e a outros alergênicos, susceptibilidade exagerada a agentes químicos, bem como incapacidade para acompanhar o ritmo e outros aspectos de pressão de trabalho.

Incapacidade no comportamento – incapacidade no plano educacional, referente à segurança pessoal ou às incapacidades de relacionamento no plano familiar e na atividade profissional. São incluídas nesta categoria pessoas com incapacidades em registrar e compreender as relações entre os objetos e as pessoas, com perturbação geral da capacidade de aprender ou outras capacidades específicas para adquirir, tratar e reter novas informações.

No plano da segurança pessoal incluem-se as pessoas com incapacidade para evitar acontecimentos que ponham em perigo a sua integridade física, por exemplo, atos autoagressivos e condutas suicidas, outras condutas potencialmente perigosas para o próprio, como seja deixar o gás aberto ou o fogo aceso, condutas de tipo irresponsável como jogar fósforos acesos para o tapete, perder-se, vaguear, incapacidade para se proteger dos perigos que vêm do exterior.

Pessoas que se encontram em perigo em situações especiais, como em viagem, nos transportes, empregos e tempos livres, incluindo desporto.

Sob esta designação encontram-se igualmente as pessoas com dependência de drogas ou álcool, bem como com incapacidade de participar nas atividades domésticas, seja como, tomar as refeições com a família, realizar tarefas domésticas, sair ou fazer visitas em conjunto, assim como as decisões relacionadas com a vida doméstica, por exemplo, decisões que dizem respeito aos filhos ou à gestão do dinheiro. Inclui, igualmente, a incapacidade em mostrar afeto, incapacidade no trabalho em cooperar com os outros, a manifestação da falta de interesse em atividades de lazer, seja como, ver televisão, ouvir rádio, ler jornais ou livros, participar em jogos ou passatempos.

Finalmente, inclui as pessoas com uma conduta delinquente bem como com uma conduta pública que envolve discussões onde estão patentes a ira, a arrogância, uma irritabilidade acentuada de uma forma generalizada como superiores hierárquicos, colegas e vizinhos.

3.2.1.3. Desvantagem

O terceiro nível de classificação, assenta no conceito de desvantagem. Esta é entendida como uma condição social de prejuízo sofrido por um dado indivíduo, resultante de uma deficiência ou de uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de uma atividade considerada normal para um ser humano, tendo em conta a idade, o sexo e os fatores sócio culturais.

Considera-se existir situação de desvantagem nas categorias de Orientação, independência física, mobilidade, ocupação, integração social e independência ou auto suficiência econômica, sempre que a capacidade de interação do indivíduo com o meio se apresente diminuída ou ausente.

Este nível de classificação e as categorias que apresenta, põe a ênfase na interação com o meio, assumindo o modelo social da deficiência e aumentando o alcance desta ferramenta muito para além deste, passando a ser enquadradas nesta abordagem, não só as pessoas portadoras de alguma deficiência, mas todas aquelas que se encontrem em situação de desvantagem independentemente da sua situação de saúde.

3.2.2. Classificação internacional de funcionamento, incapacidade e saúde

A “Classificação Internacional de Funcionamento, Incapacidade e Saúde”, conhecida internacionalmente como ICF, sigla proveniente das primeiras três palavras da nomenclatura em ingles “International Classification of Functioning, Disability and Health”, está em vigor para uso internacional desde 22 de Maio de 2001 quando foi referendada pela 54ª Assembleia Mundial de Saúde. A ICF é a mais recente classificação realizada pela Organização Mundial de Saúde com a intenção de proporcionar uma estrutura e linguagem normalizada para aplicação em todos os assuntos relacionados com a saúde.

Esta classificação é uma revisão da “Classificação Internacional de Deficiências, Incapacidades e Desvantagens”, apresentada no capítulo anterior, editada em 1980, que tem vindo a ser amplamente utilizada como elemento normalizador. Ao contrário da versão mais antiga, a ICF organiza a informação em apenas duas partes:

1 – Funcionamento e Incapacidade e 2 – Fatores contextuais. Avança desta forma para a simplificação de um modelo onde a situação de conflito entre os cidadãos e o meio ambiente não depende apenas do indivíduo, mas também do meio em si.

3.2.2.1. Funcionamento e Incapacidade

A primeira parte da ICF compreende duas classificações, uma para as Funções dos Sistemas e Estruturas do corpo humano e outra para as Atividades e Participação.

O significado de conceitos fundamentais como função de sistema corporal, estrutura corporal ou deficiência, permanecem semelhantes à versão de 1980, já apresentados no capítulo anterior.

É na classificação de Atividades e Participação que surgem algumas modificações que avançam no sentido de encarar a incapacidade como um problema de interação com o meio e não como uma condição absoluta que depende apenas do indivíduo.

Se, por um lado, as categorias existentes em atividades e participação são sensivelmente as mesmas que já estavam contempladas nas categorias de Incapacidades da versão de 1980, o fato de serem agrupadas sob esta nova nomenclatura afasta-as do caráter estigmatizante associado à palavra incapacidade e torna simultaneamente a classificação mais abrangente, pois lista capacidades humanas que todos temos em maior ou menor grau.

Desta forma, para cada categoria ou domínio, como é referenciado na ICF, são atribuídos dois qualificadores: Desempenho e Capacidade.

O qualificador de Desempenho, descreve a resposta do indivíduo a situações inseridas no seu ambiente de utilização.

É uma apreciação que inclui os fatores ambientais, físicos ou sociais e que pode ser entendida como a experiência vivida pelas pessoas no contexto real em que de fato vivem.

O qualificador de Capacidade, descreve a habilidade individual para executar uma determinada tarefa. Tem o objetivo de indicar o mais alto nível provável de funcionamento de um determinado indivíduo, num determinado domínio, a um dado momento. Para determinar esta capacidade individual, são realizados testes em ambientes “standar”, de forma a anular os diferentes impactos que o ambiente pode ter na resposta individual.

Estes ambientes de teste são os mesmos para todas as pessoas, nos vários países, de forma a permitir comparações internacionais. É a divergência entre o Desempenho e a Capacidade que reflete as diferenças existentes entre os ambientes “standar” e os reais e que proporciona informação sobre a qualidade do meio edificado, permitindo avaliar que ambientes facilitam ou dificultam a acessibilidade.

Se o constrangimento resultar unicamente de fatores ambientais ou sociais, por motivos de discriminação, por exemplo, podem ser detectados problemas de Desempenho, mesmo quando não existem problemas de Capacidade.

3.2.2.2. Fatores Contextuais

Os fatores contextuais permitem classificar as possíveis causas da existência de diferenças entre a capacidade e o desempenho de um determinado indivíduo numa dada situação, detectando se esta é proveniente de Fatores ambientais ou pessoais.

Consideram-se Fatores Ambientais, os fatores físicos ou culturais, exteriores ao indivíduo, mas que podem influenciar positiva ou negativamente o seu desempenho na realização de tarefas, pondo em causa a sua integração como membro ativo da sociedade.

Os fatores ambientais são classificados como Individuais, se relacionados com o ambiente mais próximo do indivíduo, como a sua casa ou o seu local de trabalho, ou como Societais, se relacionados com estruturas sociais, formais ou informais, como serviços públicos, redes de transportes, meios de comunicação, associações culturais ou recreativas, entre outras.

Os fatores pessoais consistem nas características individuais de cada cidadão, e que não fazem parte da sua condição de saúde, como o sexo, raça, idade, educação, orientação sexual, entre outros, mas que podem ter impactos no Desempenho.

Este modelo permite a detecção das causas dos problemas de desempenho, quer sejam de natureza ambiental ou pessoal, permitindo, através dessa identificação, o desenvolvimento de estratégias para a construção de ambientes mais inclusivos ou para a implementação de políticas anti discriminatórias.

Este artigo terá continuidade no próximo post. Acompanhem!

Autores • Jorge Falcato Simões, Arquitecto – Câmara Municipal de Lisboa

Renato Bispo, Designer – ESAD – Caldas da Rainha | Associação Projectar para Todos.


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