4. A participação dos utilizadores
A participação dos utilizadores no processo de projeto, apresenta-se como a metodologia de eleição de praticamente todos os profissionais e investigadores ligados ao desenvolvimento de estratégias de implementação dos princípios do Design Inclusivo.
Para além da participação pública prevista para projetos, que, pela sua natureza, manifestamente influenciam a vida das populações e que por este motivo vêem consagrados na lei a exigência de períodos de discussão alargada, também a participação de utilizadores pode ser utilizada em processos de projeto com a finalidade de compilar informação que contribua para encontrar soluções mais equilibradas.
Assim, para além da questão do direito à participação que assiste o cidadão, existe também um fundamento qualitativo na utilização desta metodologia, que assenta na constatação do fato de que os utilizadores têm frequentemente consciência das suas dificuldades de interação com o meio.
Esta consciência é particularmente evidente em casos onde o conflito entre os utilizadores e o meio envolvente se agrava, como, por exemplo, no confronto entre um utilizador em cadeira de rodas e um desnível no pavimento ou entre um utilizador e um sistema de simbologia numa língua estrangeira desconhecida.
Desta forma, a participação de utilizadores no processo de projeto permite identificar situações de utilização relevantes para o projeto em estudo, tais como problemas detectados, rotinas, padrões de comportamento ou pontos positivos em eventuais soluções existentes.
O nível de participação de utilizadores num projeto pode variar com o tipo de projeto ou com o grau de conhecimento e autoconfiança dos participantes. Propor níveis com grande autonomia de decisão, por parte de utilizadores mal informados ou pouco habituados a participar neste tipo de decisões, pode originar processos inconclusivos, que, ao contrário de promoverem a crescente mobilização dos participantes, desencadeiam a reação inversa originando sensações de frustração e de impotência. Não podendo assumir que níveis mais elevados de participação serão sempre uma solução melhor do que níveis mais baixos.
Muitas vezes é necessária a utilização de equipes multidisciplinares, com conhecimentos em psicologia ou animação de grupos, para conseguir promover a comunicação entre técnicos, projetistas e utilizadores de forma equilibrada, garantindo a todos a possibilidade de exprimir a sua opinião livre de constrangimentos.
Deve-se ter especial atenção para evitar processos que aparentam a existência de participação mas que, na verdade, não a alcançam, seja por incompetência do facilitador, por falta de tempo ou de recursos, ou, unicamente, por necessidade de legitimação de um projeto não apoiado na vontade de ouvir, de fato, as opiniões dos utilizadores.
Destes casos, de participação simulada, podemos destacar:
A manipulação de depoimentos dos utilizadores, para transmitir as ideias da equipe de projeto, dando a entender que estas são as suas opiniões; a utilização da presença de utilizadores fazendo parecer que estes participaram no processo de decisão; ou situações onde, por falta de tempo ou de informação, não é possível ter grande escolha sobre o projeto em causa.
Podem-se definir quatro níveis de participação, que poderão ser adaptados de acordo com as necessidades do projeto e as características do grupo de utilizadores a serem envolvidas
Informado
Nível mais baixo de interação entre a equipe de projeto e os utilizadores, que é contudo a base fundamental para todos os outros. Sem acesso à informação, não é possível existir participação.
Neste nível, o utilizador está informado das condicionantes e critérios que levaram às decisões de projeto, tomando consciência da globalidade do problema a ser resolvido, para além do seu ponto de vista pessoal. A responsabilidade das decisões é exclusivamente da equipa técnica, mas é dada informação ao utilizador sobre todas as fases do projeto.
Não sendo claramente um nível onde o utilizador pode exprimir as suas opiniões, é preferível à elaboração de processos de participação mais complexos, sem que existam competências ou recursos para tal. Garante o crescimento de competências de participação por parte dos utilizadores e solidifica a relação de confiança entre estes e a equipe de projeto.
Consultado
O utilizador, para além de informado quanto ao problema a resolver, é ouvido, e a sua opinião é tida em conta pela equipe de projeto no processo de decisão.
A responsabilidade das decisões continua a ser exclusivamente da equipe técnica, mas esta assenta nas opiniões dos utilizadores. O utilizador deve ser sempre informado sobre quais os motivos que levaram a que umas sugestões fossem consideradas em detrimento de outras.
Envolvido
O utilizador é envolvido nas várias fases de projeto, participando no processo de decisão de forma partilhada com a equipe técnica. No entanto, o processo é dirigido pela equipe técnica que decide quando é que o utilizador tem poder para decidir. É muito importante que o utilizador participe em todas as fases de projeto, mesmo naquelas em que não lhe é permitido decidir, devendo ser informado das decisões tomadas e dos critérios em que estas assentaram.
Empowered
O utilizador apresenta autonomia e competência para desenvolver o processo de projeto e decidir quando precisa do apoio da equipe técnica, em processos de decisão liderados por si. As decisões podem ser partilhadas ou delegadas na equipe técnica, sendo esta decisão da responsabilidade dos participantes.
Se o projeto for uma iniciativa da equipe técnica, esta deverá passar o controle do processo logo desde o início para os utilizadores, assumindo o papel de moderadora ou de facilitadora.
4.1. Metodologia
Deve-se ter atenção ao fato de que nem sempre é possível ao utilizador verbalizar as dificuldades que sente na forma como utiliza um determinado espaço ou produto. Por um lado, por carência de nomenclatura profissional e por outro, por estes processos nem sempre partirem de atitudes conscientes.
No caso de realização de entrevistas, é muito importante assegurar que o utilizador apenas se representa a si próprio e que não está a responder segundo “lugares comuns” que considera serem a norma para os utilizadores como ele. Se quisermos aceder a esse tipo de informação, já sistematizada, deveremos recorrer a outro tipo de estratégias, como por exemplo, consultar informação produzida por profissionais competentes, tais como ergonomistas, psicólogos, sociólogos, etc.
A representatividade e fidelidade da informação necessária para a realização de um projeto é manifestamente inferior do que a requerida por um estudo científico.
Na concepção de projetos não necessitamos de considerar todos os fatores existentes. Os melhoramentos podem, e devem ser introduzidos gradualmente em processos acompanhados por momentos de avaliação.
Esta abordagem permite obter resultados mais rapidamente e com menos custos, requisitos habitualmente essenciais a um processo de projeto que assenta numa lógica de melhoramento contínuo que acompanha a evolução da produção.
Para o projetista que utiliza este tipo de metodologia, existem, à partida, duas situações bastante distintas: o projeto será utilizado apenas por um grupo restrito de pessoas, ou entrará no mercado e será utilizado por um grupo mais alargado que podemos conseguir definir mas não sabemos exatamente quem são.
No primeiro caso, torna-se óbvio a escolha das pessoas ouvirem, serão aquelas que sabemos à princípio virem a ser os utilizadores.
No segundo caso a escolha dos utilizadores varia de acordo com a especificidade do projeto, sendo a escolha da amostra um momento crucial para a representatividade e imparcialidade dos resultados atingidos, podendo destacar-se algumas estratégias de seleção de utilizadores:
1 - A observação de “especialistas” para com eles detectar oportunidades de melhoramento para a maior parte dos utilizadores, como por exemplo, inquirir taxistas para melhorias num assento de automóvel, ou carpinteiros para melhorar ferramentas de marcenaria, tendo sempre em conta que quando inquirimos profissionais, as suas necessidades poderão não ser as mesmas do utilizador corrente.
Isto torna-se bastante óbvio se pensarmos em situações de atletas:
por exemplo, as necessidades de um ciclista profissional, essencialmente de performance, em nada serão semelhantes às necessidades do cidadão que passeia de bicicleta ao fim de semana e que provavelmente privilegiará a facilidade de uso.
2 – A observação de “grupos tipo” que sabemos serem utilizadores habituais ou potenciais do produto a ser desenvolvido, como é o caso da observação de crianças se estivermos projetando um brinquedo. Neste caso, deveremos ter em atenção a representação dos vários grupos tipo envolvidos, mantendo o exemplo das crianças, eventualmente os pais ou os educadores poderão dar também contributos importantes.
Deve ser tida em atenção a diversidade dos utilizadores dentro destes grupos, procurando alcançar uma amostra representativa dos elementos a serem observados, como crianças de ascendência cultural, capacidade físicas ou econômicas diversificadas.
3 – A observação de utilizadores com manifestação de dificuldade em utilizar o tipo de produto que estamos desenvolvendo, como é o caso de observar pessoas com deficiência, ou com pouca experiência na utilização do produto em causa.
Esta estratégia pode aumentar o grupo de eventuais consumidores e assenta no princípio de que se asseguramos a usabilidade e segurança para estes, estamos assegurando a usabilidade e segurança para todos.
Estas três estratégias de escolha de utilizadores poderão ser combinadas de acordo com as necessidades de informação do projetista e com a natureza do projeto. Tendo sempre em conta que não pretendem ser uma normalização, nem excluir outras estratégias que se venham a considerar como apropriadas.